terça-feira, 5 de abril de 2011

O Pato é Pop

Em Aracajú/SE, um ano depois de meu pai ter abandonado minha família, e após passarmos muita necessidade e fome, estávamos morando em uma vila – uma colônia com sete casas no mesmo terreno e apenas um banheiro para todos que residiam naquele lugar, que ficava bem em frente à minha casa.

Na casa, com apenas um quarto e uma sala, que também era a cozinha, morávamos eu, minha mãe, meus dois irmãos e uma prima, Sandra.

Na frente da vila havia a casa principal onde morava dona Lourdes. a proprietária. Era uma mansão perto daquela que residíamos. 

A dona Lourdes era viúva e criava oito netos. Tinha mais ou menos uns setenta anos de idade e pesava mais de 100 quilos. Essa senhora tinha uma criação de patos que viviam soltos pela vila durante o dia e à noite ela os recolhia chamando um a um pelo nome (todos tinham nomes de artistas). Eu achava muito interessante os patos irem aparecendo conforme seu nome era citado na chamada. Tinha um que nos visitava diariamente e sujava muito o pequeno quintal de minha casa. Isso me deixava muito irritada porque minha mãe me fazia lavar a sujeira que o pato fazia. O bichinho achava que ali era o seu banheiro.

Nessa época todos os dias era uma luta diferente pra conseguir o que comer. Um dia fazia um bico e conseguia, no outro não. E assim ia levando a vida, sem nenhuma expectativa melhor.

Minha mãe era doente e não tinha como trabalhar, vivia nos médicos. A Sandra trabalhava em uma fábrica de lingerie, mas o dinheiro mal dava pra uma semana de mantimentos, então eu, com apenas 14 anos, tinha que me virar para sustentar a família toda pelo resto do mês. Um dia vendia picolé na praia – quando eu mesma não era a principal consumidora - outro dia vendia pastel, suco e ia levando assim, mas nem todos os dias eram bons e às vezes ficávamos sem ter o que comer.

Toda manhã as pessoas da vila saiam pra trabalhar e aquele lugar ficava totalmente deserto. 

Naquela manhã, não tínhamos nada pra comer em casa e o meu amigo pato resolveu fazer uma visita, como de costume, no meu quintal. Eu, com fome e com raiva do bicho, resolvi que ele seria a nossa refeição. 

Combinei com meu irmão mais velho que o cercaríamos e o encaminharíamos rumo ao banheiro coletivo. Pronto! O plano era perfeito! Só me esqueci de dois pequenos detalhes: pato era meio bravo e meu irmão era medroso. A cena que vi era bem diferente do que eu imaginei durante o planejamento: eu tocando o pato, que naturalmente corria de mim pro azar do meu irmão que sempre se via no caminho do pato. A luta foi assim: eu correndo atrás do pato, o pato correndo de mim e meu irmão correndo do pato, até que o pato sentiu que poderia se refugiar no banheiro que estava à sua frente de portas abertas.

Pronto! Nosso plano meio desastrado tinha dado certo. Tinha dado certo mais ou menos porque o banheiro era enorme e ainda teríamos que botar as mãos no bicho.

Pato voa pra cá, meu irmão corre dali, o pato tentava avançar na gente pra se defender e não conseguíamos pegar o bicho que estava ficando mais furioso ainda. A solução que encontrei foi pegar um machado que se encontrava dentro do banheiro e atacar o pato com o cabo da ferramenta, mesmo assim o pato resistiu bravamente até o último momento, mas não teve jeito. Finalmente consegui pegar a ave.

Depois de mais ou menos uma hora de luta, não sei quem estava mais cansado. Eu de correr atrás do pato, o pato de correr de mim ou meu irmão de correr do pato.

O pato, tonto pelas pauladas que levou, não apresentava mais resistência. 

Pedi para o meu irmão segurar as pernas do bicho, enquanto eu, com uma das mãos segurava a cabeça do pato e com a outra uma faca – que por sinal estava tão cega que não cortava nem vento – tentei fazer um corte no pescoço do pato, que nessa altura já não tinha mais pena ali, mas o couro da ave acompanhava o caminho da faca e nem arranhava. Resolvi então mudar de estratégia: peguei o machado no banheiro e decapitei o feroz animal.

Eu, como era esperta, depenei o bicho, retirei as entranhas, coloquei tudo em uma sacola plástica e enterrei para não deixar vestígios do assassinato.

O diabo do pato era tão duro que demorou horas pra cozinhar e só ficou pronto no meio da tarde.

Já eram umas 17:30hs quando o pessoal da vila começa a voltar do trabalho e a D. Lourdes começou a fazer a chamada do “elenco” aos gritos:

- Tarcisio Meira! – e vinha um pato

- Glória Menezes! – e vinha outro pato, ou pata, sei lá

- Jane Fonda! – e vinha outra ave

- Paul McCartney!  - e aparecia outro

- Ringo Star! – outro pato

- John Lennon! ... 

- John Lennon! ... 

-John Leeeennoooooooon!!! ...  Meu coração disparou nesse momento! Eu matei John Lennon!

A D. Lourdes se desespera e começa a chorar escandalosamente. O povo foi se aglomerando curioso pra saber o que acontecera. Todos pensaram que alguém tinha morrido devido à tamanha aflição. Eu fui também, junto com umas 30 pessoas. No meio a tanta gente, ela só tinha olhos pra mim.

- Me ajude! Você não viu John Lennon?

- Vi não D. Lourdes. Respondi, mas parecia que estava escrito na minha testa: Mark David Chapman em letras garrafais e piscando que nem um luminoso em Las Vegas.

Prendi o riso com muito esforço e meu irmão dizendo “agora você se lascou!”

- John Lennon morreu! John Lennon morreeeeeeu! - gritava desesperada como se tivesse perdido um membro da família.

Nessa confusão, minha mãe chegou e já passou direto pra dentro de casa, não quis fazer parte daquela bagunça que tinha se formado.

Eu fui logo em seguida. Fui entrando e minha mãe perguntando:

- Que cheiro é esse?

O cagão do meu irmão já foi apontando pra mim e respondendo:

- Pergunte a ela que eu não sei de nada!

- Não precisa me dizer nada, já estou me vendo na cadeia!! – disse minha mãe muito aflita.

- Você não tem juízo? – levei aquela bronca.

Minha prima, que chegou junto com minha mãe, me defendeu dizendo “relaxa tia porque a mulher não desconfia de nada e temos comida pra uma semana”.

E foi o que aconteceu: eu não tive mais que limpar bosta de pato e ainda matei a fome de minha família.

Confesso que se eu soubesse o nome do pato, procuraria outro pra matar porque adoro Beatles, mas toda vez que ouço John Lennon me lembro da morte do pato.

9 comentários:

  1. Olá!!!

    Nossa, A-D-O-R-E-I o post. Não conhecia o blog, mas achei divertidíssimo!

    Ainda ontem falei no twitter sobre a morte de Lennon. E de Mark Chapman. ;)

    Um beijão! E parabéns pelo texto. Muito, muito, muito gostoso de ler!

    Ju_taxidejornal

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  2. Obrigada Ju.

    Seja sempre bem vinda...bjs.

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  3. Apesar do lado triste, considero essa aqui muito divertida... tô imaginando duas pessoas cercando um pato, o desespero da dona do pato e , é claro, um pato que atendia pelo nome de Jonh Lennon!
    Bjs,
    Ana Cau

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  4. Oi Cris!

    ADOREI a história do John Lennon! kkkkkkkkkk!!!

    Puxa, mas é uma delícia relembrar essas coisas, né? Mesmo que remetam ao perrengue.

    Também não tive uma infância com muitas comodidades e, assim como você, guardo lembranças bem divertidas do sufoco.

    Texto muito gostoso de ler. Estarei sempre por aqui.

    Beijoca!

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  5. Adorei! Escreves muito bem. Muito divertido, mas confesso que senti dó... eu não comeria. Bjus

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  6. Não gosta de concursos literários? Aqui vai um link: http://www.concursosliterarios.benfazeja.com/2011/08/xii-concurso-literario-da-acle-2608.html

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  7. Ahh Mari... acho que na minha situação você comeria sim.

    Nunca participei de nenhum concurso literário.. vou entrar na página e ver..Obrigada.

    Beijos

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